“Quando falamos estamos sujeitos a várias condicionantes, principalmente pessoais. Evitamos dizer uma ou outra palavra porque não nos sentimos confortáveis ou porque não queremos ferir suscetibilidades. Mas todo esse filtro se dilui quando escrevemos. Para mim é como se entrasse em transe e estivesse apenas na minha presença, comunicando livremente comigo e com cada recanto da minha alma. Então escrevo. Disserto sobre o universo e sobre mim mesmo e, ao fazê-lo solto-me, dou-me voz, grito em palavras o que não sou capaz de dizer em voz alta”.
João Perestrelo em “Escrita Curativa” de Ana Mafalda Damião
A escrita pode sim ser usada como uma forma de auxilio no processo terapêutico. Não irá substituir, mas contribuir de uma forma positiva na própria terapia ou como meio de acalmar a confusão e ansiedade interna.
Claro que o objetivo não é, nem o é da terapia, descrever pormenorizadamente um episódio traumático, nem dores profundas de alma onde a essência foi quebrada como, por exemplo, casos de extrema violência ou violação. Estes casos requerem, sem objeção, terapia com um profissional qualificado em que a escrita é um complemento e a sua prática supervisionada.
Então vamos lá, a ideia não é a descrição, mas o extrair emoções e sentimentos que são passados para o papel. Um processo de exteriorizar, tirar de dentro e colocar para fora. Há pessoas que dizem que “o falar já ajuda”. No entanto, existem casos em que a pessoa nem sequer falar consegue. Poderá ser mais fácil escrever...
Escrever não é para todos, tal como falar não o é. E está tudo bem.
Só fazendo para vocês tirarem as vossas próprias conclusões. Em certas alturas das nossas vidas podemo-nos sentir tão angustiados, tão confusos, tão sufocados que não conseguimos expressar.
Em que medida pode ajudar na própria terapia? Precisamente porque reorganiza e traz clareza ao que sentimos. Às vezes temos tantos sentimentos e que estão tão escondidos dentro das nossas caves internas que não sabemos articular. É extremamente útil para casos de pessoas que têm um descontrole emocional, conflitos internos, vícios, etc... Apresentar um problema ao terapeuta pode ser em si, um entrave, na medida, em que não sabemos como. Às vezes, até podemos sentir necessitar de terapia, mas não sabemos exatamente o porquê e o que trabalhar. Traz consciência. Traz clareza de nós mesmos como já referi. Acabamos por nos organizar internamente, dar voz, entendermo-nos. Sentir compaixão pelo que estamos a passar. Compreender o que sentimos. É um ato de aceitação e de conforto que damos a nós mesmos. Porque é: no fundo estamos a tirar tempo para nos ouvirmos. E é o que é, sem julgamento. No início esta questão do auto julgamento está presente, contudo com a prática deixa de acontecer. Algumas dúvidas, angústias são curadas. Ajuda na auto-expressão, na identificação de questões pessoais, no aumento da capacidade de nos respeitarmos. Ajuda a formular argumentos, motivos e razões para defender o que acreditamos. Com tempo de prática é possível começar a reparar num crescimento do amor próprio.
Exteriorizar, não importa como, importa fazê-lo, traz leveza. A terapia da escrita pode ser o primeiro passo para outros tipos de terapia.
Outra coisa importante que gostaria de referir agora é que o diário, ou a escrita enquanto terapia, pode ser feita de muitas maneiras, onde não é necessariamente o contar da história de vida o seu propósito, mas sim, um auxilio para as confusões do dia-a-dia.
É fácil, basta para isso, pegar num folha e num lápis. Quando digo estes dois objetos específicos, refiro-me a tudo o que sirva para escrever, menos um computador. Pode ser um bloco de notas e uma caneta. Pode ser um caderno e um lápis. Pode ser um sketchbook e uma lapiseira. Enfim, já perceberam onde quero chegar. É requerimento escrever à mão. Nós estamos habituados a escrever muito mais facilmente no computador, é facto, é mais rápido e não dói tanto a mão. Mas fazer terapia não é um processo rápido. Não é cumprir um prazo. Requer lentidão sim. Colocar um travão no mundo acelerado dos nossos sentimentos e confusões. Fazer terapia requer parar de fugir e sentir. Relacionar. Processar. Escrever à mão irá proporcionar exatamente isso. É mais natural, lento. É mais organico. É mais intimo. É o que se pretende fazer. Não digo para deixarem de escrever no pc. Mas para fazer este tipo de escrita, com o objetivo de ser terapêutico, necessita sim de ser à mão.
Dicas importantes!
É para despejar no papel. Não para reler, não para raciocinar. Regra importante: Não reler! Nada! No próprio momento que é escrito. Reler só passado 1 mês, 1 ano ou nunca reler. Se existir um erro, não corrigir. Aliás quem reparar no erro é porque releu. Não interessa os erros. O objetivo é mais uma vez: despejar. Reparar nos erros cria um bloqueio e é boa ideia deixar acumular textos para que no futuro analisar padrões.
Ninguém vai ler o diário. É pessoal e intransmissível. É para escrever tudo o que passa pela cabeça. Coisas que causam vergonha, ódio, medo.
Definir tópico, algo que está a ocupar a mente ultimamente e mais uma vez, escrever exatamente tudo o que vier na mente, que podem ser palavras soltas ou um texto enorme. É um espaço de expressão livre onde é possível a livre associação de ideias.
Para começar a ver os benefícios é necessário fazer por pelo menos 4 dias consecutivos e mínimo 15 minutos por dia.
Não é algo linear, ou seja, inicialmente convém sim “imitar” o que já é feito, contudo, com o treino e a continuação é sim, claro, possível editar a prática até se ajustar perfeitamente a quem és e ao que mais gostas. Desde materiais a tipos de diário.
No início de cada entrada no diário, é importante escrever a data. Assim é possível observar a evolução e até saber há quanto tempo aquela questão acompanha a vida.
Benefícios da escrita enquanto terapia
Já falei um pouco sobre os benefícios, mas queria acrescentar pesquisas e estudos sobre esta temática. Basicamente a escrita beneficia-nos neurologicamente a passar por experiências difíceís e a progredir na vida. Há quem chame o diário de caderno de crescimento pessoal. É um local onde desabafamos e tornamo-nos amigos de nós mesmos.
Muitos pacientes são encorajados a realizar diferentes práticas úteis à saúde mental, como por exemplo, beber mais água, modificar a postura física, fazer exercícios físicos, expressar sentimentos e pensamentos, encontrar/retornar hobbies, expressarem-se artisticamente, etc... mas então o que torna a escrita algo único?
A escrita terapêutica já foi descoberta nos finais do século XIX, contudo para hoje podermos falar sobre isso, o psicólogo James W. Pennebaker, nos finais dos anos 80 do século XX, desenvolveu estudos e investigações com a colaboradora Sandra Beall, em que analisou a relação entre a escrita e a saúde psíquica e física. Passando para as conclusões: contribui sim para uma melhoria da saúde física e psíquica. Quando alguém escreve sobre os seus traumas, simplificando muito, o stress reduz-se e os músculos relaxam. Desenvolve a congruência, no sentido de que já não se é duas partes. Ficamos íntegros. O conflito interior termina. O coração fica mais tranquilo. Quando teimamos a não olhar para nós mesmos criamos um abismo entre o que gostaríamos que a nossa vida fosse, o que nós gostaríamos de ser e o que de verdade aconteceu nas nossas vidas e o que somos. Já não há nada a esconder. O sistema imunitário fica reforçado e o organismo fica mais capaz de lutar contra doenças.
Outros benefícios:
- Acalma a ansiedade
- Converte insegurança em força
- Ficamos mais conscientes e portanto mais plenos
- Expressão livre que reúne o adulto e a sua criança interior
- Descobrir o sentido da vida e encontrar respostas
- Organizar sentimentos e libertar tensões, angústias e dúvidas
- Desenvolver competências que permitem a cura
- Maior aceitação e reconciliação com o que fomos e somos
- Para alivíar a dor
- Aumenta o q.i
- Aumenta a autoconfiança
- Melhora a comunicação e a memória
Enfim e tantos outros benefícios. Acho que já dá para ter uma ideia do quanto a escrita nos pode ajudar. É impossível falar sobre este tema num único artigo. É extenso, interessante e importante. Se gostarias de saber mais, fala comigo escrevendo um comentário ou enviando um email. Ficarei feliz por abordar novamente este tema. Talvez o faça por espontânea vontade.
Dois tipos de diário para já começar hoje:
1. Perguntas solta
Basicamente é escrever a data do dia e fazer uma pergunta que pode ser “como me estou a sentir hoje?” ou “o que anda a acontecer na minha vida?” ou “o que me tem perturbado?” ou até “que coisas boas têm me acontecido?” e escrever a resposta deixando que tudo flua. É possível que exista uma mudança de tema sim e está tudo bem. É escrever até esgotar tudo o que se tem para expressar. Também pode acontecer de escrever num dia um parágrafo apenas, e no outro dia o tema regressar e com isso conseguir explorar o mesmo tema durante mais um bom bocado. O tema eventualmente irá esgotar e possivelmente em 3 ou 4 dias sentirá uma melhoria: um aumento de bem-estar e clareza.
2.
O diário das 5 perguntas*
Todos os dias preferencialmente de manhã responder a estas 5 questões:
a) Estou grato(a) porquê?
b) Qual é a tarefa mais importante de hoje?
c) Qual foi o momento que aconteceu ontem que merecia ser uma história?
d) Como me estou a sentir agora?
e) O que está a resultar agora? O que pode estar melhor?
Antes de responder às perguntas escrever a data do dia. É claro que não existe uma maneira correta e errada de praticar estas duas maneiras. São formas de conseguir iniciar a escrita com o objetivo de dar liberdade. A resposta a cada uma destas perguntas pode ter um parágrafo, uma frase ou 5 páginas. Se a escrita começar a fugir ao tema, é normal e o que se pretende e, por isso, deves continuar até esgotar. E depois continuar a responder às perguntas. Se sentires que deves acrescentar perguntas, acrescenta. Modificar uma ou outra pergunta? Modifica. Claro que para sentires necessidade de mudar algo é porque já praticaste algumas vezes para perceber o que funciona para ti.
Escrever é um exercício de liberdade emocional. É a não restrição de si mesmo. Se existem outras formas de criar um diário? Existem. Se sentires, vai pesquisar. Acima de tudo escreve-te.
* Já não me lembro de onde fui buscar esta ideia e, portanto, irei pesquisar e assim que conseguir identificar coloco aqui